Rancho Folclórico da Boidobra

Trajes

A indumentária que o Rancho Folclórico da Boidobra apresenta resulta do trabalho de campo efetuado pelo grupo nos finais dos anos 80 do século passado e remetem para um passado enquadrado no primeiro quartel do século XX.

O traje relaciona-se com a maneira de viver e de ser da população de uma determinada região, tendo como fatores determinantes os aspetos geográficos, económicos, paisagísticos, políticos, culturais e históricos entre etnias e classes sociais.

O homem é produto da terra e por isso o vestuário tem de refletir a sua atividade e o meio e nunca pode haver incompatibilidade entre as condições físico-sociais do meio e o vestuário. A maneira de vestir de um povo tem também a ver com as migrações sazonais dos seus habitantes. Sendo mais frequente nos homens estas deslocações, é também mais frequente as alterações do vestuário neste género porque era neles que mais se verificava a alteração na maneira de vestir pelos motivos apresentados. As mulheres, por condicionalismos sociais e de ser condenável a sua ausência da terra natal, estavam menos sujeitas a mudanças ocupacionais mantendo por mais tempo o seu velho vestuário.

Observando os materiais utilizados na confeção dos trajes, conseguimos identificar os tecidos monocromáticos de riscado e os lavrados ou estampados. Os têxteis monocromáticos mais usuais no interior do país e na nossa região foram dos mais primitivos e a serem executados manualmente através de teares, como é o caso do algodão, da seda, da lã ou do linho. Foi a partir dos finais do século XIX que a grande maioria dos tecidos sofreu a modernização que a tecnologia veio introduzir, quer ao tecido propriamente dito, quer à elaboração dos próprios fios. A partir desta modernização, devido à introdução de novas matérias-primas e tecnologias, os tecidos passaram a ser fabricados artificialmente de que resultaram as mais variadas fibras sintéticas e texturas diferenciadas. Daqui resultou o aparecimento dos estampados e riscados, acrescentando-se depois às riscas “os lavrados e bordados que dignificam o desejo de enaltecer o tecido e, consequentemente, a sua possuidora.

Consideramos que na Boidobra, regra geral, há os trajes de uso ocasional (podendo nalgumas situações confundir-se com os utilizados nas deslocações às romarias da região), os de uso comum (consistindo na roupa utilizada no quotidiano, designado por “à cote” – à cotio) e o utilizado nos trabalhos.

 

As crianças não tinham traje específico, remediando o dos pais quando começavam a andar tendo apenas algumas diferenças no modo como eram confecionados. As crianças de berço e de colo vestiam cueiros contemplando elementos artísticos como, por exemplo, os bordados. É de salientar que o vestuário das crianças era feito com os tecidos que sobravam dos pais e apresentavam-se, não raras vezes, rotos, sujos e descalços espelhando a importância social atribuída à criança, à data.

Em qualquer dos casos, não existem trajes específicos para cada função como, erradamente, se designaram até bem recentemente, como a sachadeira, ceifeira, malhador, pastor, entre outras profissões. Pensamos que estas profissões poderão ser identificadas através dos utensílios ou adereços que lhe estejam associados, mas de modo algum pela maneira de vestir.

O traje feminino, ao contrário do que acontece com alguns povos, não é feito para realçar as formas do corpo, cobrindo as pernas, os braços, os seios, e as ancas. O traje comum é o do dia-a-dia onde as peças podem ser trocadas com outras, avental por avental ou com outra saia e o lenço poderia ser colocado de uma outra maneira, apesar de a mulher ter o hábito de colocar o lenço de igual modo para as mesmas funções. A mulher boidobrense usa lenço e nunca descobre a cabeça, nem na rua, nem em casa, porque os longos cabelos da mulher não eram para serem mostrados por uma questão de dignidade e porque nas mulheres casadas só os maridos podiam observar os cabelos soltos pelas costas.

No que respeita ao calçado feminino, o uso da tamanca é frequente, podendo usar-se o sapato em ocasiões muito especiais. No entanto, até meados do século XX a maioria das mulheres andavam descalças e, percorrendo grandes distâncias, levavam o calçado na mão para quando avistassem a povoação o voltar a calçar. A proibição de andar descalço foi instituída por decreto em 1926 em Lisboa, alargando-se posteriormente a todo o país.

No traje masculino os tecidos utilizados eram confecionados na região, de materiais fortes, capazes de proteger do frio e do calor, devido às temperaturas extremas que se faziam sentir de verão e de inverno junto do sopé da Serra da Estrela. As roupas do homem eram menos diversas do que as da mulher, resumindo-se a chapéu, camisa, casaco e calças basicamente. Tal como no traje feminino, não existiam trajes específicos de uma função diferenciando-se antes pela influência dos aspetos económicos e sociais da época. O traje é também de uso comum podendo ser adaptado consoante a função e o clima em que determinada tarefa é executada.

A cabeça do homem boidobrense andava sempre coberta por uma questão de respeito. A cobertura da cabeça fazia-se por chapéu de aba larga ou garruço. No caso do chapéu muito usual nas regiões montanhosas tinha duas funções: a de proteger a cabeça e a cara do sol abrasador que se fazia sentir no pico do verão e também das primeiras chuvas que caiam devido à dimensão da aba. O chapéu era mais utilizado nas idas à feira, à romaria ou em dias de festa.

A utilização do garruço preto era mais frequente em trabalhos agrícolas e ofícios como, por exemplo, o pastoreio e podia ser colocado caindo a ponta para um dos lados ou para trás. No caso do pastoreio há a particularidade em que os pastores das zonas baixas iam por vezes guardar gado durante meses para a Serra da Estrela por escassez de recursos e pastos na Boidobra. Influenciados pela transumância e pelo contacto com os pastores da região serrana, apareciam, por vezes, na povoação com uma camisola de tecido de lã axadrezado

No traje masculino há, ainda, uma peça fundamental e de utilização permanente que é a cinta de lã preta ou castanha que servia para segurar as calças e principalmente para proteger o ventre das forças que fazia nos trabalhos e nas suas atividades.

Entre os homens da aldeia havia alguns com condição social mais elevada muito por via da abastança das propriedades e das suas rendas, por herdamentos, ou por negócios de produtos da lavoura ou de gado, o que lhe provocava diferenciação que se refletia no vestir, seja na confeção, na qualidade dos tecidos, recorrendo frequentemente à cor preta com a ideia de se diferenciar dos homens da comunidade e imitando os usos mais nobres. Como os homens remediados não se empregam em trabalhos tão rudes, é raro verem-se com «as calças ao fundo da barriga», como aqui se diz.